quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O homem que gravou o que queria ouvir - parte 4

O Selo Festa hoje



Por André Toso e Lucas Nobile

Em artigo publicado no jornal O Globo no dia 5 de abril de 1984, Zito Baptista Filho dizia que Irineu sozinho representou um Ministério da Cultura. Efetivamente, isso se deu de 1957 a 1967, com o selo Festa gravando e prensando seus discos. Neste ano, o jornalista vendeu os direitos da gravadora para a Philips, futura Polygram, e hoje Universal. Logo de início, a Philips honrou o nome da Festa e relançou no mercado alguns títulos com os poetas, os jograis (dos quais participou o ator Raul Cortez), as gravações eruditas, "O Pequeno Príncipe", e os registros de música popular de Por Toda Minha Vida, Modinhas Fora de Moda, e, claro, Canção do Amor Demais. Em junho de 1970, a cessão temporária dos direitos para a Philips se encerrou, sem acordo de renovação entre o fundador do selo Festa e a gravadora.

Vinte e quatro anos depois, com a morte de Irineu Garcia, e após acumular muito pó nas prateleiras da então Polygram, os discos da Festa corriam sério risco de cair em total esquecimento. O acervo do selo não constava no inventário de seu criador, que não deixara filhos como herdeiros. Em 1994, a sobrinha de Irineu resolveu saber do paradeiro dos discos e entrou em contato com a Polygram. Depois de um ano e meio de troca de cartas, em outubro de 1996, Gracita recebeu em seu ateliê, em São Paulo, seis caixas repletas de fitas e masters produzidas na época de seu tio. Contando com a ajuda do advogado Henrique Gandelman, Gracita e seu marido Nicolai Dragus, médico romeno, artista plástico e profundo conhecedor de música erudita, iniciaram um processo lento e - por vezes doloroso - de seguir os mesmo passos de Irineu Garcia: o de tocar uma gravadora praticamente independente, investindo dinheiro do próprio bolso. Como proprietária do Selo Festa, Gracita Garcia Bueno continua este trabalho incansável de relançá-lo sempre com o apoio relevante de seu marido e sua afilhada Alexandra Swerts Leandro.

Em 1999, após acordo com a MoviePlay e com a Eldorado, quinze álbuns do selo Festa foram colocados no mercado. Atualmente, os discos do selo disponíveis são Canção do Amor Demais, lançado pela Biscoito Fino, e Vinicius em Portugal, Por Toda a Minha Vida, O Pequeno Príncipe e Sinfonia em Sol Menor, de Alberto Nepomuceno, todos pela Tratore. Até o fim do ano, a gravadora e distribuidora deve relançar o disco Poemas e Canções, de Federico Garcia Lorca.
Entre acordos, decepções e dificuldades diante do desdém e das exigências de gravadoras e de famílias de artistas que fizeram parte do elenco da Festa, Gracita segue na luta para manter vivo o trabalho de seu tio, que tanto fez pela cultura brasileira, sem exigir nada em troca. Fazia apenas por prazer e paixão pela cultura nacional e latina. Consciente do papel de seu trabalho para as futuras gerações, foi o próprio Irineu quem melhor definiu o selo Festa em texto escrito durante o rigoroso inverno português de 1981: "Agora, passados muitos anos, estou tranquilo por não ter me preocupado com o imediato. Tenho a certeza de que Canção do Amor Demais (como muitos outros que produzi de música e literatura) permanecerá como um informe da memória cultural brasileira, como um marco importante da modernização de sua fabulosa música, como criadores e intérpretes indiferentes ao tempo".

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